A palavra fotografia é de origem grega, e significa registro da luz. Já o grupo RevEla de 2022 é de origem brasileira, feminina e seria impossível traduzir em um único significado a pluralidade de tantos registros e tantas luzes. Em março deste ano o grupo se formou dentro do Casarão da Vila Guilherme, se reuniram mulheres de histórias, interesses e passados distintos, com o objetivo de pensar e produzir a fotografia. No primeiro módulo havia ainda uma certa timidez, frente a aquilo que parecia desconhecido, mas aula a aula, encontro a encontro, ficava claro que a fotografia não era uma arte do externo, daquelas que se aprende a técnica e aprimora a habilidade das mãos. A fotografia envolvia mais que os dedos ou os cliques, a fotografia envolvia o olhar, e isso elas perceberam que já tinham, só precisavam confiar mais em suas próprias vistas.

Chegamos aqui, nesta exposição, alguns meses depois de aulas, acompanhamentos, conversas, visitas a exposições, lives com fotógrafas e artistas. Chegamos aqui depois de vermos juntas e separadas muitas fotografias, depois de conversarmos sobre registros, imagens, cenas e situações possíveis de fotografar, depois de vermos o mundo e o cotidiano a nossa volta e percebermos que aos poucos o olhar foi mudando, a observação foi ficando mais apurada, nossos olhos alcançavam mais e mais longe. Enfim, chegamos aqui.

Tive o prazer de acompanhar o processo criativo de cada uma destas fotógrafas, suas dúvidas, inquietações, desejos e interesses. Vi quando Selma queria ser fotógrafa e modelo de suas imagens. Vi quando Bia entendeu que suas fotos de Tulipa Ruiz eram muito mais que imagens de uma fã. Vi quando Mércia queria que seus alunos fizessem um exercício de autorretrato e se propôs ela mesma a faze-lo antes. Vi quando Gicélia descobriu que uma simples imagem do reflexo do seu braço podia se intitular autorretrato. Vi quando a Eli compreendeu que a natureza de São Paulo é pedra, e registrou a poesia de grafitte cravada nas pedras da cidade.

Vi quando Mariê percebeu a rotina como possibilidade de documentação, sensibilidade e revelação. Vi quando Débora enxergou seu próprio corpo como potência feminina e feminista.

Vi quando Regênia segurou seu próprio rosto com apenas uma das mãos nos permitindo ver tudo aquilo que seus olhos enxergam. Vi quando Sol fez do seu corpo uma imagem registrável, uma performance, um espaço de simbiose com o espaço a sua volta. Vi quando Márcia tornou roupas penduradas em um varal em poética de sensibilidade.

Mas mais importante do que eu vi, foi o que elas viram, e como elas conseguiram eternizar seus olhares em imagens. Podemos estar no mesmo lugar, mas certamente registraremos este lugar de formas distintas, o olhar de cada um é único e intransferível, e o que estas fotógrafas nos oferecem são a partilha daquilo que só elas enxergaram.

A fotografia é um campo amplo, cheio de possibilidades. Sua história, mesmo que recente, menos de 200 anos de sua invenção, é repleta de grandes nomes e importantes imagens.

Mulheres que se tornaram ícones da história da fotografia como Diane Arbus, Gioconda Rizzo, Nair Benedicto, Consuelo Kanaga, Cindy Sherman ou Rosangela Renno foram alguns nomes que por meses observamos e pesquisamos juntas. Mulheres que nos deram base para sedimentar nosso olhar, e nos fazer perceber que não pertence aos homens, o mundo é plural, é diverso e é muito feminino!

O autorretrato foi o tema escolhido por Selma, Débora, Sol e Regênia, cada uma com sua forma de registrar. Selma não quis estar sozinha a cena, e convidou seu companheiro para juntos criarem um corpo uno, único, unido e que nos convida e perceber onde um começa e onde o outro termina. Débora escolheu a sensualidade revelada por silhuetas e contornos, que nos provoca e nos inebria com um jogo poderoso de luz e contraluz. Já Regênia descreveu-se em uma única imagem, forte e impactante, segura seu próprio rosto entre seus dedos, com a delicadeza e agilidade de quem não quer derrubar-se, se cuida e se expõe com a mesma intensidade. Por fim a Sol que encaixa seu corpo ao cenário cotidiano que a certa, que explora suas expressões, poses e contornos, tira a cor das imagens e lhes entrega o preto, o branco e uma infinidade de cinzas que nos permite viajar pela cena.

Já o retrato foi o tema escolhido por Bia e Mércia. Bia poderia nos mostrar uma linha do tempo de uma única mulher, Tulipa Ruiz. Cantora esta que Bia fotografa há quase 10 anos, e foto a foto foi deixando seu olhar de fã para conquistar um olhar de fotógrafa, de quem não só registra a cantora, mas cria um contexto único em meio ao show para construir sua própria narrativa de imagem. Já Mércia faz um retrato de seu pai, falecido há algum tempo. Abre sua caixa de memórias, escolhe os objetos, vestuários e ferramentas que o representa em sua memória e faz uma fotografia de um retrato sem corpo, mas completamente corporificado.

O registro do urbano foi o tema escolhido por Márcia, Gicélia e Eli. Márcia visita a Vila Maria Zélia e com os olhos de quem vê pela primeira vez registra com uma poesia indescritível aquilo que por muitos é visto como banal ou até mesmo nem se quer é percebido. Gicélia explora os reflexos de vidros e janelas para ver a cidade misturada a aquilo que reflete nas janelas dos carros e ônibus que ela usa como meio de transporte, as vezes seu próprio corpo, as vezes um luminoso, as vezes os bancos dos veículos, tudo misturado a cidade estática por fora dos vidros. Já Eli busca o perto e o longe, os detalhes das grades que parecem aprisionar as árvores e o sol, e o grafitte enorme que colore a empena de um prédio, mas que nos deixa com uma sensação de falta de imensidão, são prédios e mais prédios que dificultam ver o céu, as nuvens ou o horizonte.

Por fim Mariê que escolhe a fotografia documental como tema. Registrando seu cotidiano, rotina e o dia a dia daquelas que a cercam. Alguém que corta uma cebola com a faca afiada, o filho que descansa no colo do pai na penumbra, um gato que observa alguém tricotando no sofá, são personagens revelados sem uma tentativa de torna-los espetaculares, e sim com o desejo de torna-los humanos e familiares.

Há meses atras conheci cada uma destas mulheres através de suas palavras, agora temos o privilégio de reconhece-las através de suas imagens. Dizem que uma “uma imagem vale mais que mil palavras”, eu ousaria dizer que uma imagem é capaz de relevar aquilo que nem mesmo mil palavras seriam capazes de traduzir. Espero que vocês se deleitem com estas fotografias assim como elas mergulharam em seus próprios processos de criação.

 

Marcela Tiboni
curadora

 

Autem dicant cum ex, ei vis nibh solum simul, veritus fierent fastidii quo ea.
Cu solum scripta pro. Qui in clita everti
movet delectus.